O Projeto de Lei Nº 172/2022 , da vereadora Profª Angêla Melo, PT, tentou tornar a Parada do orgulho LGBTQIAPN+ patrimônio cultural no município de Aracaju. Apenas tentou, pois esbarrou no conservadorismo da atual legislatura. O projeto foi apresentado no dia 4 de agosto de 2022 e somente no dia 19 de abril deste ano foi votado em plenário, sendo de pronto rejeitado pelos vereadores aracajuanos.
O vereador Eduardo Lima, Republicanos, questionou se a Parada do orgulho LGBTQUIAPN+ é cultura, trazendo uma foto de um símbolo da religião do parlamentar, que é evangélico, sendo “desrespeitado” por um possível participante da Parada de São Paulo. O pastor vereador disse não permitir que isso seja visto como cultura, com base nas suas características pessoais.
Outro pastor vereador, Diego, PP, usou as mesmas fotos do vereador citado anteriormente, falou que as Paradas são ambientes de práticas de atos obscenos. Nas duas falas podemos observar que os dois usam fotos que sequer são de Aracaju para criminalizar a manifestação pela busca de direitos de uma comunidade plural e continuamente perseguida.
O vereador Fábio Meireles, PSC, embasou seu voto contrário afirmando que o projeto deveria receber um parecer prévio do Conselho Municipal de Política Cultural (CMPC), um órgão criado em 2013 e nunca colocado em funcionamento. Esquecido pelos vereadores e prefeitos desde 2013, o Conselho foi usado para tentar usar outro argumento que não soasse tão homofóbico.
Entretanto, a necessidade de se aprovar no Conselho não impediu que outros eventos culturais se tornassem patrimônios da cultura de Aracaju. Em 2022 a quadrilha Junina Século XX se tornou patrimônio cultural imaterial de Aracaju. Em 2021, a música “Sergipe é o país do forró” também recebeu a distinção. Em 2020, foi a vez da encenação da paixão de Cristo da paróquia São Judas Tadeu. Alguém cobrou aprovação no Conselho? Evidente que não, pois ele nunca funcionou!
O projeto foi protocolado inicialmente pelo vereador Américo de Deus, que faleceu no início deste ano, e foi apresentado novamente pela professora Ângela. A parlamentar afirmou ao Sergipense que a Parada é um “evento que ao longo de seus 21 anos de existência prega o amor e o respeito para a desconstrução do preconceito e que representa uma luta de resistência por conquista de direitos e ruptura de paradigmas a partir da discussão da diversidade de gênero”.
Sobre a importância da Parada, Angêla defende que a “trajetória […] contribui politicamente para que esta população seja protagonista das lutas emancipatórias pela cidadania em Aracaju, sendo parte da memória cultural da cidade. Temos a plena certeza do papel social do evento e da necessidade de termos mais espaços como este para a construção de um diálogo entre os mais diversos segmentos sociais, visando a construção de uma sociedade pautada nos direitos humanos”.
Em plenário, rebatendo ataques contra a comunidade LGBTQIAPN+, a vereadora lembrou que violência contra símbolos religiosos já aconteceram até mesmo por pessoas cristãs. Para ilustrar, lembro do caso do bispo da igreja Universal que golpeou a imagem de Nossa Senhora Aparecida repetidas vezes com chutes, no entanto, isso não é mobilizado para perseguir os evangélicos. Não é honesto usar um caso isolado com o intuito de tentar descredibilizar uma comunidade.
Outra vereadora que defendeu o projeto foi a vereadora Sônia Meire, PSOL, lembrando que pessoas produzem cultura independentemente de religiões. Lembrou que a Parada existe e resiste para reafirmar que a comunidade luta para ser respeitada. Lembrou que casos isolados que firam leis, como apresentaram os vereadores pastores, devem ser averiguados individualmente rejeitando a tentativa de criminalização de toda comunidade.
Professor Bittencourt, PDT, único vereador da base do prefeito Edvaldo Nogueira, PDT, a votar a favor do projeto pontuou que não enxerga a parada LGBTQIAPN+ como algo nocivo à população e mostrou imagens da Parada de Aracaju, inclusive um vídeo no qual o governador Fábio Mitidieri, PSD, pedia votos para sua eleição na Parada.
Apesar de afirmar que votaria a favor, reforçou o argumento daqueles que rejeitavam afirmando que não conseguia ver a Parada conceitualmente como cultura, apesar de ter apresentado projetos que incluíam trezenas como patrimônio cultural imaterial. Apesar do voto favorável, o discurso foi desconfortável.
Bittencourt, deu gancho para o vereador Ricardo Marques, Cidadania, afirmar que por ter 21 anos não teria condições de ser entendido como patrimônio. Afirmou ter respeito e participar da Parada, mas que não acredita que o projeto estava bem embasado. Bittencourt, no entanto, lembrou que a marcha para jesus também não atenderia aos critérios levantados por Ricardo.
A vereadora Emília Corrêa, Patriota, iniciou sua fala falando que a marcha para Jesus atendia aos critérios constitucionais, e a Parada não atenderia baseando-se, inclusive, em critérios morais – talvez apenas neles. Dos vereadores presentes, apenas Ângela Melo, Sônia Meire e Bittencourt votaram favoráveis, os demais rejeitaram que a Parada LGBTQIAPN+ fosse considerada patrimônio cultural do município, mas certamente muitos irão dizer que apoiam a causa visando receber votos da comunidade em suas futuras eleições.
Sobre a rejeição de sua propositura, Ângela relatou que “a rejeição revela que ainda temos muitos desafios a enfrentar em relação à pauta de gênero num contexto de um legislativo historicamente conservador com pouca compreensão da importância do respeito à diversidade de gênero como elemento fundamental de uma sociedade que defende e pratica os direitos humanos” e reiterou seu compromisso na defesa de uma sociedade de iguais direitos para todos.
Foi difícil assistir uma discussão tão rasa onde não consegui enxergar outro motivo para a rejeição da matéria senão a lgbtfobia. A discussão foi repleta de tentativas de criminalização de toda comunidade LGBTQIAPN+ e de argumentos religiosos, incompatíveis com uma discussão séria num ambiente que exige laicidade.
Aqueles que busquem a pauta das sessões da Câmara Municipal de Aracaju encontrarão sempre citações bíblicas no topo, talvez seja um alerta para quem quiser propor leis buscar atender parâmetros e enquadramentos que a nossa Constituição Federal desobriga. A bancada conservadora de Aracaju rejeitou que a Parada entre no patrimônio cultural de Aracaju, mas não impedirá sua ida às ruas.
Os ataques violentos, cobertos por falas mansas, que aconteceram naquele plenário são suficientes para reforçar a necessidade da Parada ir às ruas, cada vez mais atenta à necessidade de lembrar que é um ato de busca por direitos, de valorização da cultura da comunidade. A Parada incomoda porque vidas LGBTQIAPN+ incomodam. A Parada foi rejeitada porque pessoas são diariamente rejeitadas por não se enquadrarem num padrão normativo.
Votaram favoravelmente ao projeto: Ângela Melo, PT, Antônio Bittencourt, PDT, e Sônia Meire, PSOL.
Votaram contra o projeto: Votaram contra o projeto: Manuel Marcos, PSD, Eduardo Lima, Republicanos, Emília Corrêa, Patriota, Fábio Meireles, PSC, Paquito de Todos, Solidariedade, Diego, PP, Ricardo Marques, Cidadania, Sávio de Vardo, PSC, e Sheyla Galba, Cidadania.
O vereador Bryon Estrelas do Mar se absteve na votação.
Estavam presentes mas não votaram: Cícero do Santa Maria, Podemos, Isac, PDT, Ricardo Vasconcelos, Rede, Soneca, PSD, e Nitinho, PSD.
Estavam ausentes os vereadores Anderson de Tuca, PDT, Binho, PMN, Breno Garibalde, UB, Joaquim da Janelinha, Solidariedade, Fabiano Oliveira, PP, e Vinicius Porto, PDT.
Fonte:www.sergipense.com.br